por Danilo César
Empreender e ter dignidade. Essas são duas palavras presentes nos projetos de reciclagem na cidade de Garanhuns, no Agreste de Pernambuco, a 240 km do Recife. Investir em uma boa formação técnica, aprender a produção e gerir um negócio sustentável, é o que tem acontecido com comunidades carentes da cidade que participam do programa Empreender Comunidade. Iniciativa da prefeitura do município junto com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Uma ideia que deu certo, e vem beneficiando várias famílias.
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Desfiadeira de garrafa / Foto: Danilo César |
Doces, bonecas, vassouras, sabão, móveis e porque não bicicletas feitas com material reciclado e confeccionadas por artesãos que, com o auxílio da secretaria e o apoio da Escola Técnica Municipal, conseguem os recursos, ajudas nos projetos e incentivo das empresas privadas. O secretário de desenvolvimento, Ornilo Lundgren, vê oportunidades como essa, um levante da dignidade das pessoas. "Nossa ideia, quando ajudamos e incentivamos a produção de algum bem é levar aos menos beneficiados uma oportunidade de trabalho e dar dignidade a elas", completa.
Em 2010 o programa Empreender Comunidade ganhou o prêmio de resgate da cidadania e formação de empregos e renda dado pelo Governo do Estado. Depois desse reconhecimento, grandes empresas, como a Petroquímica Suape, o Banco do Brasil, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, a UFRPE e organização não-governamental Eco Nordeste, apoiaram a iniciativa e estão buscando a melhoria nos programas, através do Governo.
Todo material utilizado pelo projeto é reciclado, seja na fábrica de vassouras que são feitas de garrafa de refrigerante, no fabrico do sabão, produzido a partir do óleo de comida ou nas outras atividades. A intenção é ajudar também a melhorar e preservar o meio ambiente. Os produtos feitos pelos artesãos são vendidos em uma loja localizada na entrada da cidade. “É assim que as pessoas se sentem orgulhosas do seu trabalho, porque veem que seu trabalho está sendo conhecido e reconhecido por todos que passam por aqui”, comenta orgulhoso, o diretor da secretaria e dos projetos Sabão do Du Vale e das Vassouras Vitória.
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Equipe da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Garanhuns / Foto: Danilo César |
O Governo do Estado desenvolveu o projeto RECICLA PERNAMBUCO, onde cidades do interior participam da preservação do ambiente. A cidade de Garanhuns agora faz desse projeto, e com a participação no programa, associações e cooperativas de artesãos e catadores de material reciclado serão beneficiados. Um exemplo é a Associação Nova Viva (ASNOV), uma das principais responsáveis pela coleta seletiva da cidade, e com a crescente demanda, o espaço passará por uma reforma para melhor acomodação dos materiais. Essa mudança já é fruto da parceria do governo municipal e estadual no programa Recicla Pernambuco.
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Móveis feitos de madeira reciclada / Foto: Danilo César |
Sendo desenvolvido e aprimorado na Escola Técnica Municipal de Garanhuns, outro projeto do Governo do Estado, o Recicleta, é mais uma ação de inclusão social e econômica para os catadores de material reciclado. O objetivo da recicleta é conseguir auxiliar os trabalhos no transporte do material, dando o suporte necessário os profissionais da área.
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Aluno da Escola Técnica Municipal / Foto: Danilo César |
Além de Garanhuns, Arcoverde, Serra Telhada, Gameleira, Cupira, Ribeirão e alguns outros municípios serão beneficiados pelo Projeto Recicleta e pelo Recicla Pernambuco.
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Material reciclável na ASNOV / Foto: Danilo César |
Entrevista com o secretário de desenvolvimento de Garanhuns:
O RESGATE DA CIDADANIA
por Luciana Specht
No agreste pernambucano, há uma cidade muito conhecida pelos moradores de todo o Estado. O Festival de Inverno de Garanhuns sedia um dos principais pontos de encontro no mês mais esperado pelos garanhuenses. Festas, chocolates e artesanato são conhecimentos que temos sobre a região, mas pouco se sabe de quem reside nesse pedaço de terra tão desenvolvida, porém tão interiorana. Cidadãos que convivem com uma realidade sociocultural similar às capitais. Mansões e casebres, carrões e carroças, habitando o mesmo espaço.
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Estoque de sabão / Foto: Luciana Specht |
Donos de uma vida sem luxo, grande parte da população vive apenas com o básico, isso quando esse básico não se torna luxo. Em Garanhuns, há também pessoas que vivem de aparências, “Aqui as pessoas podem não ter o que comer, mas arrumam um jeitinho de ter um bom carro e uma boa casa”, falou Roberval Monteiro, diretor do programa Empreender Comunidade. Programa este que vem trazendo feitorias no processo de reciclagem. No momento, estão com a fabricação de vassouras, sabão, móveis e bicicletas, tudo feito com material reciclado, recolhido por trabalhadores que vivem do catado.
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Dona Marlene , 66 anos, diretora da fábrica de vassouras / Foto: Luciana Specht |
Em uma visita à fábrica de vassouras, encontramos a simpática Marlene, que aos 66 anos não parou de trabalhar. Dona de uma paciência e de um pensamento decidido impõe sua voz ao pedir material para a construção de “suas” vassouras. “Ela é quem manda aqui, eu não mando em nada”, falou, em tom jocoso, Roberval. Porém, quando perguntamos o porquê de ela fazer aquele trabalho manual todos os dias, ela responde de forma direta, mas com uma suavidade característica da sua voz: “É um divertimento para mim, ainda posso dar oportunidade para as mulheres do bairro que nunca trabalharam”. Dedicada, seu trabalho é tão conhecido na região que de vez por outra acaba sendo entrevistada por quem passa pela cidade.
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Dona Marlene na desfiadeira / Foto: Luciana Specht |
Já no outro lado de Garanhuns, mais especificamente na comunidade do Vale do Mundaú, nos deparamos com outro projeto do programa, a fábrica do Sabão Du Vale. Nele, oito mulheres ocupam meio período do dia para se dedicar ao ofício de produzir sabão do óleo de comida. Um processo demorado passado por várias etapas manuais. Tudo a base de um pano e da força. Poucas pessoas conhecem os ingredientes e o processo para a elaboração do produto. Gordura (banha) e óleo são as suas bases. Aquecendo em um forno feito de lenha aquecendo um galão de tinta, Zélia, Maria do Socorro, Joseane, Alexsandra e Eliane tiram um pedacinho da renda da casa.
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Zélia, Maria do Socorrom Joseane, Alexsandra e Eliane / Foto: Luciana Specht |
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Trabalho manual / Foto: Luciana Specht |
Mulheres que ao serem perguntadas sobre profissões e trabalhos diziam numa sinceridade absoluta que nunca tinham trabalhado fora de seus lares. Que esse era o primeiro emprego. Realização, palavrinha que não só estampavam seus rostos alegres, mas suas palavras. Diziam também que estavam adorando trabalhar na fábrica, que o dinheiro não era muito, mas o prazer em fazer algo, era um bem maior. Risadas não eram deixadas de lado naquele ambiente aconchegante, que como toda empresa, há sempre aquela brincadeira com o chefe “Está faltando material, quando vai chegar Roberval?”, questionou Zélia. Completando com “você não sabe, duas meninas estão grávidas. Uma delas passou nove anos tentando e a outra dois”.
Sabão fertilizante? Brincadeiras que faziam entre elas. Mas, na verdade, essa fertilização tem outro nome, chamado realização pessoal. No momento em que elas deixaram de pensar em querer engravidar e começaram a trabalhar, ou seja, ocuparam suas mentes com outras coisas, conseguiram relaxar e só assim realizar um sonho. O programa Empreender Comunidade não só traz a reciclagem como o benefício de ajudar o meio ambiente, mas regate a dignidade das pessoas. Dona Marlene, Zélia, Maria, Joseane, Alexsandra, Eliane e tantos outros não possuem apenas um sorriso frouxo e uma simpatia em comum, mas uma satisfação pessoal.
Visita à fábrica do Sabão Du Vale:
Áudio: